A pintura moderna doutrinou-nos para a abstinência do olhar, fez-nos jejuar. Sem cor, sem figura, sem textura, sem gesto, sem escala, sem movimento, sem luz, sem tempo e sem espaço. O desprezo da carne para purificação do olhar e do espírito. O Evangelho segundo Reinhardt.
Do púlpito da pintura moderna todos os dias são sexta-feira santa: não se come carne.
Paródia e grotesco são dois aspectos fundamentais do trabalho de Sara Maia. Upside down e inside out são os seus movimentos: aquilo que é tido como mais sagrado é rebaixado e virado do avesso, as suas entranhas expostas e devoradas. A abstinência vira festim; a procissão do Corpo de Cristo, cortejo de Carnaval.
A pintura de Sara Maia é profundamente carnavalesca. Está repleta de imagens que nos remetem, num primeiro momento, para a pintura antiga: trípticos e predelas, pregações e eucaristias, anunciações, descidas da cruz e pietás, mártires e santinhas tresmalhadas. Arte antiga...profanada, é certo, mas também revivificada e bem nutrida.
Porém, talvez a profanação maior resida, afinal, numa pintura solitária: O pai do pai do pai do pai, a mãe da mãe da mãe da mãe, somos todos filhos. Nela assistimos à corrupção da velha grelha modernista, pureza maculada com figura, a vertical e horizontal essenciais da pintura tornadas cortejo ou dança de roda. Mondrian às voltas no túmulo.
Jorge André Catarino
Novembro 2019
Entrada actualizada el el 15 dic de 2019
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