Descripción de la Exposición Um ano difícil, por razões múltiplas, mais que os desconsolos da crise, e uma mão, a direita, escangalhada, determinaram um ano em que as minhas aventuras foram mais literárias do que visuais, o que numa trintena de anos de actividade ininterrupta me parece um direito. Romances, teorias, mais manifestos e 'meta-manifestos' acompanharam alguns dos desenhos que fui fazendo, em modo esquerdino, para consolo privado, mas que acabei por engavetar e juntar ao meu involuntário espólio. Esta exposição caiu-me inesperada e a sua produção não me permitiu, sejamos honestos, aventuras de maior, nem ousadas inovações de última hora. Divide-se esta em três núcleos: 1) Pinturas, onde desaguam múltiplos registos, numa espécie de remix musical, relaxado, barroco, colorido, caprichoso, como poemas que não querem asseverar, e que se mostram algo epidérmicos, sensuais, culinários. Saiem-me estes adjectivos de dona de casa, porque a sua ordem é a de algo entre a pura decoração e abandonadas e desleixadas metafísicas de ocasião que se parecem desvanecer. 2) Numa segunda sala, são reincidentes os prints de selvagens tipografias pelas quais fui obcecado durante os últimos anos: coleccionando, inventando, investigando de uma forma que me dilacerava - consequência de uma paixão por este campo de sinais, caligrafias e diversas ordens e desordens tipográficas que nascem da interacção entre a literatura e as artes ditas visuais. 3) Por fim, na sequência de uma encomenda para uma exposição sobre a Maria Gabriel Llansol, regressei aos desenhos de grandes formatos, delirantemente pseudo-alegóricos. Acompanhou-me, como frenesim mental, a tradução que neste período fui fazendo de diversos livros bíblicos (o Génesis, o Cântico dos Cânticos, o Eclesiastes, Jonas, as Lamentações, alguns Salmos, e fragmentos diversos), a partir da Bíblia 'ladinada' de Ferrara, assim como uma investigação sobre o turbilhão das traduções quinhentistas. São obras que testemunham uma convicção inabalável no que se chama, desbocadamente, arte, um contínuo entusiasmo pelo poder das imagens e da sua associação, quer ao que pretensiosamente chamamos pensamento, quer ao borbulhante, e tantas vezes frívolo, mundo da literatura. É um dar a ver o que em hebraico se chama Kavod, a inextricável glória do que vai no visível, e a parafernália de ritmos que o tornam evidente.