Em seu ensaio “O que é o contemporâneo”, o filósofo italiano Giorgio Agamben propõe que o contemporâneo é aquele que “mantém fixo o olhar no seu tempo, para nele perceber não as luzes, mas o escuro.” Nessa série fotográfica de Layla Motta, parece haver um jogo entre o que se revela e o que se mantém oculto, em imagens onde a luz se manifesta quase sempre de forma insidiosa. Há um mistério latente em tais imagens: a frincha de uma pedra invadida por um galho, os olhos estranhamente azuis e cabisbaixos de um cavalo, a fumaça fantasmagórica que paira sobre a mata, a cortina vermelha que parece silenciar um segredo. Algumas imagens também remetem a um senso de isolamento: a sisudez de uma ilha, um lago circunscrito por um vale. Outro traço marcante desse conjunto de imagens é a alternância entre o natural e o artefato, que convivem numa espécie...de simulação mútua. A concha talhada em cobre surge como uma lembrança da destreza da mão humana — e as mãos retornam na fotografia das palmas abertas, banhadas por alguma substância viscosa e orgânica. A ideia da ruína é também central no trabalho de Layla. Mas a ruína aqui, não evoca apenas a destruição e o degredo. Trata-se de uma ruína viva, em que a natureza decide tomar de volta aquilo que já foi seu: o limo se alastra pelos tijolos da beira de uma piscina; o mato quase engole o corpo de uma casa abandonada, cuja janela se ilumina pelo que resta de sol.
O par de fotografias de cisnes com a cabeça mergulhada na água — que ora é negra e ora de um verde denso — é o mais emblemático da série. As imagens evocam a noção do duplo de forma exemplar (trata-se de duas fotografias, e em cada uma delas há dois cisnes) e nos convidam a retomar as ideias de Agamben: “Contemporâneo é aquele que (...) é capaz de escrever mergulhando a pena nas trevas do presente.” É irresistível associar a pena do escritor às penas das aves aqui retratadas. A vocação de duplicidade dessa série se confirma no reaparecimento da ave em outra fotografia — um ganso de madeira que observa o céu refletido na superfície da piscina, o mesmo céu que um espelho replica em outra imagem. Nesse jogo de simetrias imperfeitas, as imagens tomadas por Layla atentam para o que é de ambíguo na própria fotografia: a reprodução de um instante, uma cena, um objeto que, no entanto, estão condenados ao desaparecimento. As fotografias são capazes de captar a luz de estrelas distantes que mimetizam o destino dos cristais; nos possibilitam ter, com a mediação de um artefato, os olhos atinados com o presente — ainda que ele esteja envolto pela bruma, incompreensível. E estar atento ao presente talvez seja perceber, de dentro de um poço, aquilo que reluz com urgência.
Julia de Souza
Entrada actualizada el el 22 jul de 2021
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