São seis da manhã, o relógio na rua anuncia, dezesseis de maio de dois mil e vinte e um, quinze graus. As notícias gritam que o país contabiliza 435.823 óbitos e 15.625.218 casos de COVID 19, segundo balanço do consórcio de veículos de imprensa, parceria estabelecida entre os principais grupos midiáticos do país que surgiu devido a atrasos e manipulação de dados pelo Ministério da Saúde no Brasil.
Se há três anos a palavra Fake estava entre as mais escritas e replicadas, hoje ela é usada como estratégia de governo em notícias que fazem inveja aos mais inventivos roteiristas e pretendem desviar a atenção de um extermínio diário de brasileiros. Porém a fábula não é um dilema do agora. As fotografias do universo são falsas, ou colagens de milhares de imagens em cores inventadas. O calendário é uma convenção para contar o tempo, tal qual as formas de representação de um...território em um mapa de relevo, uma fotografia ou um globo.
Cloroquina, mamadeira de piroca, terra plana, bandeirante, tratado de Tordesilhas, princesa Isabel. A História é uma ficção. A Primeira Missa no Brasil é ficção, tanto na carta de Pero Vaz de Caminha quanto na tela de Victor Meirelles. Conta, escreve, divulga, aquele que detém o poder, chegando até a ditar como históricos alguns fatos míticos. As caras nas notas de dinheiro denunciam: a realidade é socialmente construída.
O abuso e a manipulação da verdade de forma desprezível, incauta e sórdida, pretere, rejeita e distorce o valor do engano. Não deste embuste politiqueiro, mas do devaneio, da ilusão, da poesia. No entanto, ela insiste, vaza pelas frestas, ultrapassa fronteiras, dobra e inutiliza o objeto cotidiano para dar a ele novos usos, outras perspectivas. Às fotografias que nascem com a aura documental, o artista nega, expõe o verso, o negativo, este fantasma que não é a imagem, mas sua passagem.
A Amarelinha não mais promete o céu, paraíso vendido à prestações em slogans de governo ou entradas de igrejas neopentecostais. Antes de tudo vem o caráter, ou corre-se o risco de perder a vez.
Real FAKE não pretende enganar o espectador mas, contra todas as mentiras noticiosas, honrar a fantasia poética e mostrar que, de fato, podemos encontrar na imaginação e na arte estímulo para pensar um mundo mais sensato, para cultivar a quimera de poder aliviar, se não destruir, as injustiças que se propagam e as desigualdades que pesam (ou deveriam pesar) como uma pedra em nossa consciência (1).
(1) Nuccio Ordine, A utilidade do inútil.
Entrada actualizada el el 28 jun de 2021
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