O surgimento primeiro da fotografia e depois das descobertas tecnológicas posteriores, criaram a convicção para muitos do fim próximo da pintura, paradoxalmente, e apesar do primeiro atestado de óbito da pintura de Paul Delaroche, esta continua a ser uma fonte de juventude inesgotável, capaz de rejuvenescer conceitos artísticos estéreis. Citando Thierry de Duve: 'Acho divertido e patético que de 5 em 5 anos surja o anúncio da morte da pintura, mas este é invariavelmente seguido por notícias do seu ressurgimento...' Entre os muitos exemplos de pinturas de hoje que confirmam a capacidade de se auto - regenerarem, verifica-se um género de pintura que já não segue o percurso linear da história de arte mas, pelo contrário, é capaz de surfar acima e abaixo dessa linearidade. Voltando ainda a Thierry de Duve: 'Qual a razão para a Fénix da pintura renascer regularmente das cinzas, tal como acontece também ... com outras actividades artesanais ? Porque o acto de pintar envolve indubitavelmente uma das tendências mais primitivas do homem: o desejo impulsivo ou compulsivo de deixar uma marca numa superfície.' A tela em vez de se tornar um suporte obsoleto, tornou-se, para uma nova geração de artistas com uma outra mentalidade antropológica e cultural, um espaço primordial para o registo de visões diferentes da realidade exterior onde nos encontramos, mas que no entanto têm a ver com o mundo real. Se Masaccio revolucionou e organizou o mundo da representação ao aplicar o método inovador da perspectiva matemática, um artista de hoje com vinte e poucos anos é capaz de revolucionar a cada hora a representação do mundo recorrendo a tipos de perspectivas diferentes e recreando em simultâneo um número infindável de espaços simbólicos.

Tenhamos presente os casos de Mariana Gomes, Tânia Caeiro ou do agora, Nuno Gil, nomes emergentes no panorama da pintura portuguesa, e que confirmam a vitalidade da linguagem pictórica.

Certamente que os pioneiros da arte abstracta como Paul Klee e Piet Mondrian estavam longe de considerar que os resultados revolucionários a que tinham chegado pudessem ser vistos como ornamentos. Apesar do mundo não objectivo existir muito antes de Vassily Kandinsky ter criado a primeira aguarela abstracta por volta de 1911/12, ele estava adstrito às áreas de serviço, contribuindo apenas para a decoração e a ornamentação desses espaços. Hoje não podemos falar de pintura contemporânea, pensemos apenas nos casos de Frank Stella, Philipp Taafe, Chris Ofili, Fiona Rae, sem ter presente o conceito do ornamento.

Nuno Gil (Lisboa, 1983) foi apresentado pela primeira vez no stand do Módulo por ocasião da última Arte Lisboa. As pinturas, agora expostas, resultam da sobreposição de camadas sucessivas de tinta em que cada camada posterior, em partes eliminada, contribui para gerar uma variedade surpreendente de formas. O resultado final é uma pintura barroca de forte cromatismo e de grande sentido decorativo. Já no papel, a colagem de fragmentos de forma variada de papéis previamente tratados, conjugam-se com o desenho a grafite em inesperadas composições. A noção de barroco e o seu funcionamento específico surgem em negociação com ideias como o informe ou a decadência das próprias pinturas enquanto objectos, também elas sujeitas ao passar do tempo. Cloudy é o título que o pintor dá a esta série de trabalhos, pois é o estado onde o fundo desaparece para se tornar, precisamente por isso, mais importante que a figura.

Nuno Gil licenciou-se em pintura na Faculdade de Belas Artes de Lisboa, em 2006, e consta no seu percurso recente algumas exposições de grupo em espaços lisboetas de referência, como o Pavilhão 28 ou a Sala do Veado.