Numa altura em que a discussão entre 'centros' e 'periferias', no domínio das artes plásticas, está na ordem do dia, é cada vez mais mais consensual a importânciadas novas (e velhas) estéticas vindas da 'periferia'.

Caminha-se para o abandono do denominador reducionista de centralidade como fenómeno pungente de desenvolvimento e neste contexto, falar de África e da manifestação contemporânea da sua diversidade - a África que Moçambique encerra e que é, seguramente, distinta da que existe na vizinha África do Sul - e expor os seus artistas mais 'africanamente' enraizados com a sua herança cultural, partindo dela para recriarem novas correntes com sustentação numa via contemporânea e internacionalmente válida, é algo premente.

Deste princípio parte a noção de olhar, que consagra estes dois artistas - Ernesto Shikhani e Reinata Sadimba - como fundantes ... de uma África que, afora todos os estereótipos para se renovar sem cair na miríade, na tentação moderna, de fugir para paragens efémeras em tecnologias e linguagens mutantes. É arte em suporte físico. É arte física e natural como o é a natureza destes olhares que Shikhani e Reinata nos trazem nesta exposição a dois, composta por obras penetrantes.

De Reinata Sadimba apresentam-se esculturas em cerâmica e grafite, realizadas entre o final dos anos 90 e 2006, onde a autora cria narrativas irrepetíveis, quase sempre envolvendo figuras humanas inspiradas em histórias reais de pessoas comuns que se cruzam na sua vida, envolvidas e moldadas pelo imaginário de lendas e fábulas que lhe surgem em sonhos.

De Ernesto Shikani apresenta-se um núcleo com trabalhos relativamente recentes e outros também inéditos, realizados nas décadas de 70, 80 e 90, onde é notória uma constante busca por novos caminhos no seu percurso enquanto artista e enquanto homem que, preocupado com as problemáticas das sociedades contemporâneas africanas, nos deixa perceber a importância da procura da identidade cultural do individuo, do conhecimento e do saber - seja ele transmitido pelos antepassados, pala tradição ou pelos 'livros' - como valores inerentes ao desenvolvimento sustentado.

Pretende-se com a reunião de obras, deste dois autores, numa única exposição, afirmar que a natureza destes olhares singulares sobre o mundo, apesar de geograficamente distante, permanece emergente e atual.