Conheci a obra de Aldo Alcota através do Artur do Cruzeiro Seixas, que mantinha contato regular com este Surrealista chileno que eu, até então desconhecia. Quando vi as suas obras, pela primeira vez, recordo ter apreciado a jovialidade do seu traço, a par com as marcas identitárias da sua sul-americanidade, onde habitava muito do Surrealismo que me fascinava - desde o Conde de Lautréamont a Wifredo Lam, passando por Frida Kalo, César Moro e Roberto Matta. Não saberia dizer se se tratava da obra de um jovem pintor ou se fruto da rara capacidade de renovação plástica de um artista sénior. Cruzeiro Seixas tratava-o com a deferência que reserva aos grandes autores. Falava dele com a ternura que destina aos artistas válidos. E eu concordava.

Passado tempo, vi algumas obras suas integradas numa exposição coletiva organizada em Coimbra. De todas ... as obras ali presentes, as de Alcota eram as que mais vibravam, afirmando-se, destacando-se, isolando-se aí do resto. Recordo-me haver pensado que gostaria de expor a sua obra e de que seria correto fazê-lo a par com a obra de Cruzeiro Seixas, não apenas pelo sincero afeto que corria entre eles dois mas, especialmente, pela proximidade das suas plásticas e das narrativas aí contidas.

Isto foi há uns anos. Acabaria sendo como muitos outros projetos, adiado sine die, não fosse a surpreendente mensagem que recebi em Março passado. Seria como muitos dos e-mails que recebo, onde artistas à procura de galeria se apresentam, colocando-se à disposição. Na maioria dos casos, são autores que pouco ou nada têm a ver com o projeto que pretendemos colocar em prática nas Galerias Perve. Mas aquele e-mail era dos raros casos em que o autor que se apresentava era procurado há muito. Respondi-lhe de imediato dizendo-me conhecedor da sua obra e que estava disponível para ponderar a possibilidade de lhe montarmos uma exposição. Mas coloquei condições: que me enviasse portefólio completo, dados biográficos, textos críticos, catálogos e afins. Normalmente o envio desses elementos tarda em chegar, no caso do Aldo levou menos de uma semana. Falei-lhe da ideia antiga de expor o seu trabalho em conjunto com o de Artur do Cruzeiro Seixas. Não apenas saudou a ideia como se mostrou honrado, encantado. Nesse mesmo dia, disse-me, tratou de escrever carta ao amigo, solicitandolhe a participação -logo aceite, de resto.

É curioso que me tenha detido nos seus dados biográficos muito mais tarde. Só então me dei conta de que é um jovem artista com menos de 40 anos. Na sua obra, tudo são evidências de maturidade, de capacidade discursiva e elevado grau, mestria, formal. As suas transformadas figuras surrealizantes marcadas ora pela cor, ora pelo negrume da tinta-da-china transportam o que de melhor foi produzido pelo automatismo psíquico puro proposto por André Breton e seus pares sem, contudo, cair na pastiche copista dos mestres de então. Há, em Aldo Alcota, um Surrealismo que se renovou e nos mostra como essa renovação é possível ser operada sem o efeito de rutura que alguns procuram afirmar - falhando redondamente na maioria dos casos.

E é mais do que curioso, uma honra, que este autor nascido no Chile e emigrado em Madrid, tenha querido expor em Lisboa, estabelecendo pontes com aquele que, aqui, mais perseverou na reafirmação do traço inventivo e renovador do Surrealismo sem, com isso, reivindicar para si qualquer estatuto de superioridade. Cruzeiro Seixas, aos 92 anos, continua legando-nos uma grande lição de humanidade e humildade. Aceitando expor com um jovem, diz-nos que a Arte e o Surrealismo em particular são uma fonte de inesgotável, admirável, mundo novo. Ardente. Apaixonadamente novo. Aos dois artistas, o nosso muito obrigado.