Dentro da prolífica carreira de Daniel Blaufuks existem temas / preocupações / obsessões que se evidenciam: a viagem, o exílio, a memória, a vida e a morte. Não obstante, o artista nunca se esquivou a explorar novas técnicas, formas ou até tecnologias. Em Houve um tempo em que estávamos todos vivos encontramos esta dupla natureza, um tema que facilmente remete para obras passadas, um formato que poderá ser visto como um salto (mas talvez até não o seja) nas explorações do artista.
Num regresso ao trabalho em vídeo, Blaufuks apresenta nesta exposição três visões simultâneas do interior da cúpula do Panteão em Roma. Com construção datada do final do reinado de Trajano (98-117) e o início do reinado de Adriano (117-138) o Panteão, como o nome indica, era a casa dos vários deuses do panteão Romano. Com a sua cúpula de caixotões, e o seu perfeito equilíbrio entre esfera (cúpula), cilindro...(rotunda) e cubo (vestíbulo com segunda elevação), o Panteão é um feito arquitetónico que sobrevive ainda hoje. Não apenas isso, sobrevive enquanto lugar de culto. O óculo central aberto aos céus, a única fonte de luz no edifício, convida os visitantes ao espaço interior. Através dele é permitida entrada a vento e chuva, mas é o sol que tem primazia. O seu movimento diário transforma o interior do Panteão enfatizando ora um nicho ora outro, porém é apenas ao meio-dia de 21 de Abril, dia de aniversário da cidade de Roma, que a entrada do templo é iluminada. Blaufuks examina em Houve um tempo em que estávamos todos vivos esta transitoriedade ao filmar e fotografar apenas o interior da cúpula, eliminando qualquer outra referência temporal. O foco é o óculo e é este o ponto no qual todos os efeitos visuais, por vezes extremos, estarão centrados.
Houve um tempo em que estávamos todos vivos parte de uma frase colhida num sonho do artista durante uma sua estadia em Roma, após visitas repetidas ao Panteão, sonho esse em que a fronteira entre a vida e a morte se fazia ténue. Talvez não seja surpreendente a associação que Blaufuks faz do Panteão com a morte ao apresentar uma frase que define esta última pelo seu oposto: pelo momento em que todos estavam vivos. Com a transição para o Cristianismo e o abandono dos antigos deuses, o Panteão foi doado em 609 ao Papa Bonifácio IV, que o dedicou à Virgem Maria e aos Mártires. Aqui seriam mais tarde sepultados ilustres como o pintor Rafael em 1520, exemplo posteriormente seguido com a criação dos diversos panteões nacionais. A fronteira explorada por Blaufuks entre vida e morte no espaço que é o son(h)o poderá também remeter-nos para outros momentos de transição, para outros projectos. Em Terezín (2007), o artista apropria-se dos poucos excertos sobreviventes do filme de propaganda Nazi realizado em Theresienstadt, tingindo-os a vermelho e desacelerando-os. O efeito produzido é tal que as figuras, com a tensão dos seus movimentos enfatizada, tornam-se espectros. Também aqui houve um momento em que todos estavam vivos, no instante anterior àquele definido por Roland Barthes em que o espectador se apercebe de que estas pessoas estão mortas e vão morrer.
Entrada actualizada el el 09 abr de 2018
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