-------------------------------------------------------
-------------------------------------------------------
No dia 14 de agosto de 1979, quando se encontrava em Itália a rodar o documentário para a RAI intitulado Tempo di viaggio, Tarkovsky escreveu no seu diário: 'Telefonámos a Tovoli para lhe pedir que me compre uma polaroide. Quero fazer uns instantâneos. [...] Gostava de tirar umas fotografias da minha janela em diferentes momentos do dia. A paisagem matutina, logo ao amanhecer...'1 Esta sugestão poderia perfeitamente ser confundida com o conhecido exercício de recolha de impressões monetiano, mas, na prática, aquilo queTarkovsky realmente fez com a câmara que pediu a Luciano Tovoli2 foi perseguir a luz de outra forma. A série de fotografias que começa com enquadramentos feitos a partir da janela transforma-se num percurso em que, numa espécie de travelling, se regista a chegada da luz vinda da paisagem ao interior do quarto. Acompanha-se a luz, no seu lento movimento, ... ao longo dos caixilhos e do peitoril da janela3, depois pelos ladrilhos do quarto e pelas folhas e objetos abandonados ao acaso; pelo mobiliário, subindo por uma imagem da Madonna de Vladimir antes de pousar sobre a mesa ou no sítio onde Tarkovsky abandonou por um momento o pequeno-almoço para obter mais um instantâneo: a luz percorrendo a jarra de flores, o pão, a água turva, a fruta no prato. É um travelling mitigado, como aqueles que encontramos nos seus filmes, que depois continua pelas garrafas e as ténues cortinas da casa abandonada, pelo gato que dorme enroscado numa almofada, por Tonino Guerra, que escreve ou medita na igreja de Bagno Vignoni...O travelling leva-nos, por fim, a um autorretrato do próprio Tarkovsky banhado por essa mesma luz, perseguida, sentado junto à cama.Está de pijama e quase parece um menino (à espera). Está ao fundo, frente ao espelho. Recuperado de entre as sombras que o rodeiam, segura a câmara enquanto (nos) olha a partir desse mesmo fundo, tirando a última fotografia deste lento movimento de câmara.Um menino que (se) descobre, então, concebendo um lugar para a ausência, pondo em jogo, através da insistência nos vazios e nas penumbras, a experiência privada de uma dialética fundamental, a da elaboração e reflexão constantemente contornada e modulada da conivência entre o ver e o perder ? jogo que remete, seguramente, para o espaço natal da mãe e da casa ausentes. Nessa margem, permanecem também os dois principais blocos que constituem a exposição: os instantâneos italianos que documentam um exercício cinematográfico (exercício que, na realidade, é algo mais, um sinal, um sintoma, uma premonição...) e os 'contactos' arrebatadores da paisagem russa, algo que paulatinamente se evola da bruma matinal em Miasnoe, como se se soubesse já nesse momento espetroe não apenas fotografia.Toda a série de Luz instantânea revela continuamente a nostalgia dessa morada perdida: a terra abriu-se e, nesse momento crítico que é, simultaneamente, um abrasamento momentâneo de luz, o indizível revela-se poeticamente como aquilo que quebra o próprio discurso, impondo o silêncio tenso da aura. Benjamin tinha razão: só remata a obra aquele que em primeiro lugar a quebra, dela fazendo uma obra despedaçada, fragmento do verdadeiro mundo, resquício de um símbolo4. As polaroides são então fragmentos, resíduos, pálidas moradas de paraísos revelados instantaneamente: o próprio facto de ser fotografia duplica o sentido de vestígio. Se a aura é a aparição de uma lonjura, por mais próxima que esta seja, este carácter súbito da polaroide leva a que nela se imponha duplamente a aura, se possível, na medida em que o próprio processo de geração da imagem permanece quasecomo um segredo milagroso, algo inatingível, semelhante ao fascínio pelas imagens que o passado faz irradiar em aura. Imagens que parecem, como testemunha o forte exemplo de Verónica, objetos concebidos para que se acredite não terem sido realizados por mãos humanas.
Entrada actualizada el el 26 may de 2016
Infórmanos si has visto algún error en este contenido o eres este artista y quieres actualizarla. O si lo prefieres, también puedes ponerte en contacto con su autor. ARTEINFORMADO te agradece tu aportación a la comunidad del arte.
Suscríbete al canal y recibe todas las novedades.
Recibir alertas de exposicionesMadrid, España
Galería Pedro Cera - Madrid / Madrid, España
Museo Nacional Centro de Arte Reina Sofía (MNCARS) / Madrid, España
Suscríbete al canal y recibe todas las novedades.
Recibir alertas de exposiciones